Existe prazo de validade para sonhos? Seja uma viagem, garantir as chaves de um carro ou uma casa própria ou até mesmo ingressar na universidade.
Este último caso foi a conquista de João Guerra Pinto, de 84 anos, que garantiu uma vaga no curso de gemologia por meio do vestibular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
A filha dele, a advogada Rosa Maria Gomes Pinto, conta que a vida do pai não foi fácil. Desde pequeno, o trabalho tomou o lugar das canetas e dos lápis, e a escola foi um sonho deixado de lado ainda na infância.
João é português de Trás-os-Montes, e aos 9 anos foi ao seminário, após o pai deixar a família e vir para o Brasil.
“Minha avó ficou com três filhos sozinha, e meu pai não teve como continuar no seminário. Ele saiu e foi trabalhar em Murça, em uma mercearia em Murça, empurrando carrinhos de compras, muitas vezes não tinha nem o que calçar”, contou.
Vinda para o Brasil
Aos 15 anos João deixou a Europa de mala e cuia e veio para o Brasil, atrás do pai, que não via desde a infância.
Segundo a filha, o pai até foi encontrado, mas não deu apoio algum ao filho. Para João sobrou o auxílio dos tios, que o colocaram em uma pensão e conseguiram emprego para ele em um bar.
Pulando de experiência a experiência, se tornou representante farmacêutico, neste período mesmo veio para Vitória, onde conheceu a futura esposa.
A conquista do ensino fundamental na vida de João, inclusive, veio apenas depois do casamento e já pai.
“Meu avô tinha uma farmácia, ele conheceu a minha mãe e eles se casaram. Meu pai não tinha nem o segundo grau. Na verdade ele conseguiu completar o primeiro grau há muitos anos. A rotina de trabalho dele era de segunda a segunda, em média de 10 a 12 horas em um bar que ele tinha no Centro de Vitória. Meu pai manteve essa rotina para criar os quatro filhos até o ano passado”, disse.
Conquista do sonho de entrar na Ufes
Rosa conta que depois de se afastar do bar, o pai se viu com muito tempo nas mãos e decidiu correr atrás da realização do sonho de finalizar o Ensino Médio. Para isso, se matriculou na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e no meio do ano passado conseguiu terminar o segundo grau.
Depois de pegar o diploma, se sentou com a família e revelou seu desejo de prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para ingressar na universidade.
“Para ele sempre foi necessário que fosse gratuita, porque com o dinheiro da aposentadoria não teria como arcar com os estudos em uma universidade particular. Nós decidimos apoia-lo”.
Para realizar o sonho, ele contou com o apoio de dois netos, que cursam engenharia na Ufes, filhos de Rosa. Além disso, houve também a ajuda de uma professora particular que abraçou a causa, que uma vez por semana dava a ele aulas de redação.
A neta, que faz doutorado em pedagogia na Ufes, deu a ele aulas voltas especificamente para o Enem, inclusive para preencher o gabarito, algo que o idoso nunca havia feito na vida. E assim foi por seis meses.
“Foram seis meses de muita dedicação. Meu pai mantém uma disciplina de estudo diário de 8 horas, incluindo sábado e domingo. Quando ele terminou o Enem e saiu o resultado, ficamos muito felizes. Quando saiu o Sisu vimos que ele estava concorrendo para biblioteconomia, arquivologia e gemologia”, relata a filha, orgulhosa.
Aulas começam no segundo semestre
As aulas começam no segundo semestre, mas João já se tornou frequentador assíduo da Ufes, em oficinas voltadas especialmente para idosos.
“Basicamente essa é a trajetória do meu pai e todos nós temos muito orgulho, sabemos da determinação dele. Isso é o que moveu ele a vida inteira e o que o fez chegar até aqui e persistir nas conquistas dele, na criação dos filhos. Tivemos a chance de estudar graças ao empenho de uma vida inteira dele. Vê-lo realizar sonhos não tem preço”